Reflexões sobre o livro de Jó

Uma transcrição adaptada da exposição realizada em 04/01/2015, na Igreja Presbiteriana de Canela

Roberto Vargas Jr.
17 min readFeb 25, 2021
Blameless and Upright Job (Manuel Tzykandyles, 1362)

INTRODUÇÃO

Quem de nós já leu o Livro de Jó inteiro ao menos uma vez? E quem entendeu o Livro de Jó?

Jó é um livro muito difícil e eu o considero fascinante. O que vamos tentar fazer hoje é um resumo de todo o livro e tentar entender quais são os temas fundamentais dele ou, se formos felizes, descobrir qual o mais fundamental de seus temas.

Ora, o mais comum é ouvirmos que o Livro de Jó trata, ou explica o problema do mal. Li uma introdução ao livro que diz o seguinte:

O Livro de Jó trata do sofrimento humano. Jó era um homem bom, rico e feliz, mas Deus permitiu que, da noite para o dia, perdesse os filhos e tudo o que tinha e que fosse atacado por uma doença terrível. Depois Jó e os seus amigos conversam, em diálogos poéticos, procurando achar explicação para tanta desgraça. No fim Deus aparece e dá a resposta. (Job Intro RA)

Mas será que há mesmo uma resposta para isso? Aqueles de vocês que já me ouviu falar do livro já sabe que minha resposta para isso é um sonoro “não”.

Entretanto, o sofrimento do justo é o pano de fundo para o objetivo do autor do livro. E para tentar entender qual é este objetivo nós vamos percorrer três passos:

  • Primeiro vamos ler uma boa porção do texto bíblico para observarmos todo o contexto. Talvez isto seja um tanto cansativo, já que vocês vão me ouvir lendo muito. Será longo, mas eu peço sua compreensão e atenção porque é importante.
  • Depois faremos uma brevíssima digressão sobre um aspecto muito interessante do Livro de Jó.
  • Por último, e também de forma breve, por meio dos erros dos personagens bíblicos, vamos tentar chegar ao ponto central de todo o livro.

PASSO 1: O CONTEXTO

O livro pode ser subdividido em 5 partes. Leremos integralmente a primeira e a última, e eu vou tentar resumir o restante da história com alguns comentários e alguns trechos da Palavra.

Antes de entrarmos em cada uma das 5 partes, deixem-me citá-las:

  • Parte 1: Narrativa do prólogo, de 1:1 a 2:13.
  • Parte 2: Diálogos entre Jó e seus três amigos, de 3:1 a 31:40.
  • Parte 3: O discurso de Eliú, de 32:1 a 37:24.
  • Parte 4: O diálogo entre Jó e Deus, de 38:1 a 42:6.
  • Parte 5: Narrativa de epílogo, de 42:7 a 42:17.

Notas: Os textos usados, exceto quando menção em contrário, foram da tradução NVI, apenas porque sua linguagem é um tanto mais simples, porém foi solicitado aos ouvintes acompanharem na versão oficialmente usada em nossa congregação, a ARA.

Parte 1: Narrativa do prólogo, de 1:1 a 2:13.

Capítulo 1
1 Na terra de Uz vivia um homem chamado Jó. Era homem íntegro e justo; temia a Deus e evitava fazer o mal. 2 Tinha ele sete filhos e três filhas, 3 e possuía sete mil ovelhas, três mil camelos, quinhentas juntas de boi e quinhentos jumentos, e tinha muita gente a seu serviço. Era o homem mais rico do oriente.
4 Seus filhos costumavam dar banquetes em casa, um de cada vez, e convidavam suas três irmãs para comerem e beberem com eles. 5 Terminado um período de banquetes, Jó mandava chamá-los e fazia com que se purificassem. De madrugada ele oferecia um holocausto em favor de cada um deles, pois pensava: “Talvez os meus filhos tenham, lá no íntimo, pecado e amaldiçoado a Deus”. Essa era a prática constante de Jó.
6 Certo dia os anjos vieram apresentar-se ao Senhor, e Satanás também veio com eles. 7 O Senhor disse a Satanás: “De onde você veio?” Satanás respondeu ao Senhor: “De perambular pela terra e andar por ela”. 8 Disse então o Senhor a Satanás: “Reparou em meu servo Jó? Não há ninguém na terra como ele, irrepreensível, íntegro, homem que teme a Deus e evita o mal”. 9 “Será que Jó não tem razões para temer a Deus?”, respondeu Satanás. 10 “Acaso não puseste uma cerca em volta dele, da família dele e de tudo o que ele possui? Tu mesmo tens abençoado tudo o que ele faz, de modo que os seus rebanhos estão espalhados por toda a terra. 11 Mas estende a tua mão e fere tudo o que ele tem, e com certeza ele te amaldiçoará na tua face.” 12 O Senhor disse a Satanás: “Pois bem, tudo o que ele possui está nas suas mãos; apenas não toque nele”. Então Satanás saiu da presença do Senhor.
13 Certo dia, quando os filhos e as filhas de Jó estavam num banquete, comendo e bebendo vinho na casa do irmão mais velho, 14 um mensageiro veio dizer a Jó: “Os bois estavam arando e os jumentos estavam pastando por perto, 15 quando os sabeus os atacaram e os levaram embora. Mataram à espada os empregados, e eu fui o único que escapou para lhe contar!” 16 Enquanto ele ainda estava falando, chegou outro mensageiro e disse: “Fogo de Deus caiu do céu e queimou totalmente as ovelhas e os empregados, e eu fui o único que escapou para lhe contar!” 17 Enquanto ele ainda estava falando, chegou outro mensageiro e disse: “Vieram caldeus em três bandos, atacaram os camelos e os levaram embora. Mataram à espada os empregados, e eu fui o único que escapou para lhe contar!” 18 Enquanto ele ainda estava falando, chegou ainda outro mensageiro e disse: “Seus filhos e suas filhas estavam num banquete, comendo e bebendo vinho na casa do irmão mais velho, 19 quando, de repente, um vento muito forte veio do deserto e atingiu os quatro cantos da casa, que desabou. Eles morreram, e eu fui o único que escapou para lhe contar!”
20 Ao ouvir isso, Jó levantou-se, rasgou o manto e rapou a cabeça. Então prostrou-se, rosto em terra, em adoração, 21 e disse: “Saí nu do ventre da minha mãe, e nu partirei. O Senhor o deu, o Senhor o levou; louvado seja o nome do Senhor”.
22 Em tudo isso Jó não pecou e não culpou a Deus de coisa alguma.

Capítulo 2
1 Num outro dia os anjos vieram apresentar-se ao Senhor, e Satanás também veio com eles para apresentar-se. 2 O Senhor perguntou a Satanás, “De onde você veio?” Satanás respondeu ao Senhor: “De perambular pela terra e andar por ela”. 3 Disse então o Senhor a Satanás: “Reparou em meu servo Jó? Não há ninguém na terra como ele, irrepreensível, íntegro, homem que teme a Deus e evita o mal. Ele se mantém íntegro, apesar de você me haver instigado contra ele para arruiná-lo sem motivo”. 4 “Pele por pele!”, respondeu Satanás. “Um homem dará tudo o que tem por sua vida. 5 Estende a tua mão e fere a sua carne e os seus ossos, e com certeza ele te amaldiçoará na tua face.” 6 O Senhor disse a Satanás: “Pois bem, ele está nas suas mãos; apenas poupe a vida dele”.
7 Saiu, pois, Satanás da presença do Senhor e afligiu Jó com feridas terríveis, da sola dos pés ao alto da cabeça. 8 Então Jó apanhou um caco de louça e com ele se raspava, sentado entre as cinzas. 9 Então sua mulher lhe disse: “Você ainda mantém a sua integridade? Amaldiçoe a Deus, e morra!” 10 Ele respondeu: “Você fala como uma insensata. Aceitaremos o bem dado por Deus, e não o mal?” Em tudo isso Jó não pecou com seus lábios.
11 Quando três amigos de Jó, Elifaz, de Temã, Bildade, de Suá, e Zofar, de Naamate, souberam de todos os males que o haviam atingido, saíram, cada um da sua região. Combinaram encontrar-se para, juntos, irem mostrar solidariedade a Jó e consolá-lo. 12 Quando o viram à distância, mal puderam reconhecê-lo e começaram a chorar em alta voz. Cada um deles rasgou seu manto e colocou terra sobre a cabeça. 13 Depois os três se assentaram no chão com ele, durante sete dias e sete noites. Ninguém lhe disse uma palavra, pois viam como era grande o seu sofrimento.

Até aqui a expressão “paciência de Jó” é perfeitamente cabível. Até aqui ele suportou todo o sofrimento que lhe sobreveio com uma postura invejável.

Quantos de nós suportaríamos tanto? Ou quanto suportaríamos cada um de nós?

É importante guardar deste início:

  • A postura de Jó: 1:21 e 2:10.
  • O juízo dos homens (segundo o autor do livro): 1:22 e 2:10.
  • O juízo de Deus: 1:8 e 2:3.

Parte 2: Diálogos entre Jó e seus três amigos, de 3:1 a 31:40.

A partir do início do capítulo 3, a história se desenrola numa longa poesia hebraica. São três fases do diálogo, em que Jó fala e seus amigos respondem, até que Jó faz uma defesa final.

Este diálogo aprofunda a questão do problema do mal:

  • Por que há mal no mundo?
  • Por que o justo sofre enquanto o mau prospera?
  • Por que Deus silencia tanto diante do mal em geral quanto do sofrimento daqueles que o confessam.

Tudo começa quando, após os sete dias e sete noites de silêncio, a paciência de Jó tem um fim e ele explode em lamento. Jó amaldiçoa o dia que nasceu e se pergunta por que Deus permite que ele continue vivendo. Diz ele:

1 Depois disso Jó abriu a boca e amaldiçoou o dia do seu nascimento, 2 dizendo: 3 “Pereça o dia do meu nascimento e a noite em que se disse: ‘Nasceu um menino! ’4 Transforme-se aquele dia em trevas, e Deus, lá do alto, não se importe com ele; não resplandeça a luz sobre ele. (Jó 3:1–4)

25 O que eu temia veio sobre mim; o que eu receava me aconteceu. 26 Não tenho paz, nem tranqüilidade, nem descanso; somente inquietação” (Jó 3:25–26)

Diante desta explosão de Jó, seus três amigos propõem que a causa de todo sofrimento é um juízo divino contra o pecador. Eles são unânimes em acusar Jó de pecado. Ou, talvez, seus filhos é que tenham pecado. Eles insistem que seu sofrimento é em castigo pelo pecado em sua vida.

Como o diálogo é extremamente longo e de uma linguagem bastante difícil, vou pegar apenas um trecho da primeira fala de cada um, mostrando a acusação deles a Jó:

  • Elifaz: 17 Como é feliz o homem a quem Deus corrige; portanto, não despreze a disciplina do Todo-poderoso. 18 Pois ele fere, mas trata do ferido; ele machuca, mas suas mãos também curam. (Jó 5:17–18)
  • Bildade: 4 Quando os seus filhos pecaram contra ele, ele os castigou pelo mal que fizeram. 5 Mas, se você procurar a Deus e implorar junto ao Todo-poderoso, 6 se você for íntegro e puro, ele se levantará agora mesmo em seu favor e o restabelecerá no lugar que por justiça cabe a você. (Jó 8:4–6)
  • Zofar: 11 Pois ele não identifica os enganadores e não reconhece a iniquidade logo que a vê? 12 Mas o tolo só será sábio quando a cria do jumento selvagem nascer homem. 13 Contudo, se você lhe consagrar o coração e estender as mãos para ele; 14 se afastar das suas mãos o pecado e não permitir que a maldade habite em sua tenda, 15 então você levantará o rosto sem envergonhar-se; será firme e destemido. 16 Você esquecerá as suas desgraças, lembrando-as apenas como águas passadas. (Jó 11:11–16)

Em cada resposta de Jó ele insiste em sua inocência e reivindica, como um direito seu, que sua inocência e retidão sejam publicamente reconhecidas.

Seu discurso final mostra toda sua obstinação:

2 Pelo Deus vivo, que me negou justiça, pelo Todo-poderoso, que deu amargura à minha alma, 3 enquanto eu tiver vida em mim, o sopro de Deus em minhas narinas, 4 meus lábios não falarão maldade, e minha língua não proferirá nada que seja falso. 5 Nunca darei razão a vocês! Minha integridade não negarei jamais, até a morte. 6 Manterei minha retidão, e nunca a deixarei; enquanto eu viver, a minha consciência não me repreenderá (Jó 27:2–6)

1 Jó prosseguiu sua fala: 2 “Como tenho saudade dos meses que se passaram, dos dias em que Deus cuidava de mim, 3 quando a sua lâmpada brilhava sobre a minha cabeça e por sua luz eu caminhava em meio às trevas. (Jó 29:1–3)

20 Clamo a ti, ó Deus, mas não me respondes; fico em pé, mas apenas olhas para mim. 21 Contra mim te voltas com dureza e me atacas com a força de tua mão. 22 Tu me apanhas e me levas contra o vento, e me jogas de um lado a outro na tempestade. 23 Sei que me farás descer até a morte, ao lugar destinado a todos os viventes. (Jó 30:20–23)

25 Não é certo que chorei por causa dos que passavam dificuldade? E que a minha alma se entristeceu por causa dos pobres? 26 Mesmo assim, quando eu esperava o bem, veio o mal; quando eu procurava luz, vieram trevas. (Jó 30:25–26)

Ao descrever suas boas obras, Jó insiste:

6 Deus me pese em balança justa, e saberá que não tenho culpa (Jó 31:6)

É tal a confiança de Jó em sua justiça, que vejam em que termos ele se dirige a Deus:

35 Ah, se alguém me ouvisse! Agora assino a minha defesa. Que o Todo-poderoso me responda; que o meu acusador faça a denúncia por escrito. 36 Eu bem que a levaria nos ombros e a usaria como coroa. 37 Eu lhe falaria sobre todos os meus passos; como um príncipe eu me aproximaria dele. (Jó 31:35–37)

Com este desafio de Jó a Deus se encerra o diálogo com seus três amigos.

Parte 3: O discurso de Eliú, de 32:1 a 37:24.

Mas havia um quarto amigo de Jó ouvindo a conversa. Havia ficado quieto por ser o mais novo dos cinco. Pensava, disse ele, que a idade mostraria a sabedoria. Mas não foi o que viu e se indignou. Assim narra a Palavra:

1 Então esses três homens pararam de responder a Jó, pois este se julgava justo. 2 Mas Eliú, filho de Baraquel, de Buz, da família de Rão, indignou-se muito contra Jó, porque este se justificava a si mesmo diante de Deus. 3 Também se indignou contra os três amigos, pois não encontraram meios de refutar a Jó, e mesmo assim o tinham condenado. 4 Eliú tinha ficado esperando para falar a Jó porque eles eram mais velhos que ele. 5 Mas, quando viu que os três não tinham mais nada a dizer, indignou- se. 6 Então Eliú, filho de Baraquel, de Buz, falou: (Jó 32:1–6a)

Antes de ler qualquer das palavras de Eliú, imaginem a cena: Eliú começa a falar da grandiosidade de Deus, das grandes coisas feitas por Ele; o clima começa a mudar; uma tempestade se aproxima e Eliú, certamente tomado pelo Espírito, fala de como Deus tem controle sobre as forças naturais; enquanto ele fala as nuvens negras tomam conta do lugar e fica escuro. Neste contexto de inspirar temor ele diz:

26 Como Deus é grande! Ultrapassa o nosso entendimento! Não há como calcular os anos da sua existência. 27 Ele atrai as gotas ‘de água, que se dissolvem e descem como chuva para os regatos; 28 as nuvens as despejam em aguaceiros sobre a humanidade. 29 Quem pode entender como ele estende as suas nuvens, como ele troveja desde o seu pavilhão? 30 Observe como ele espalha os seus relâmpagos ao redor, iluminando até as profundezas do mar. 31 É assim que ele governa as nações e lhes fornece grande fartura. 32 Ele enche as mãos de relâmpagos e lhes determina o alvo que deverão atingir. 33 Seu trovão anuncia a tempestade que está a caminho (Jó 36:26–33a)

14 Escute isto, Jó; pare e reflita nas maravilhas de Deus. 15 Acaso você sabe como Deus comanda as nuvens e faz brilhar os seus relâmpagos? 16 Você sabe como ficam suspensas as nuvens, essas maravilhas daquele que tem perfeito conhecimento? (Jó 37:14–16)

Parte 4: O diálogo entre Jó e Deus, de 38:1 a 42:6.

Quando Eliú termina seu discurso, o que acontece?

1 Então o Senhor respondeu a Jó do meio da tempestade e disse: 2 “Quem é esse que obscurece o meu conselho com palavras sem conhecimento? 3 Prepare-se como simples homem; vou fazer-lhe perguntas, e você me responderá. (Jó 38:1–3)

Jó havia desafiado a Deus para uma audiência, em que Deus reconheceria sua justiça. Agora Deus o responde do meio da tempestade. Fico a imaginar o quanto Jó e seus amigos estavam agora aterrorizados. E Deus desafia Jó a responder uma série de perguntas que, além de confirmar o discurso de Eliú, são uma demonstração da pequenez do homem e da grandeza de Deus.

Num primeiro discurso, Deus desafia:

4 Onde você estava quando lancei os alicerces da terra? Responda-me, se é que você sabe tanto. 5 Quem marcou os limites das suas dimensões? Talvez você saiba! E quem estendeu sobre ela a linha de medir? 6 E os seus fundamentos, sobre o que foram postos? E quem colocou sua pedra de esquina, 7 enquanto as estrelas matutinas juntas cantavam e todos os anjos se regozijavam? (Jó 38:4–7)

E após inúmeras perguntas:

1 Disse ainda o Senhor a Jó: 2 “Aquele que contende com o Todo- poderoso poderá repreendê-lo? Que responda a Deus aquele que o acusa (Jó 40:1–2)

Então, quando Jó é desafiado a apresentar sua causa, ele se cala:

3 Então Jó respondeu ao Senhor: 4 “Sou indigno; como posso responder-te? Ponho a mão sobre a minha boca. 5 Falei uma vez, mas não tenho resposta; sim, duas vezes, mas não direi mais nada”. (Jó 40:3–5)

O Senhor então continua Seu desafio: É Jó como Deus? Faça então suas obras. É aqui que Deus fala dos seres monstruosos como o Beemote e o Leviatã, exaltando por meio deles o Seu poder criador.

Mas Jó já havia aprendido a se calar. Agora, por fim, esvaziado de todo orgulho, ele aprende a se confessar (e aqui volto à beleza da tradução ARA):

1 Então, respondeu Jó ao SENHOR: 2 Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado. 3 Quem é aquele, como disseste, que sem conhecimento encobre o conselho? Na verdade, falei do que não entendia; coisas maravilhosas demais para mim, coisas que eu não conhecia. 4 Escuta-me, pois, havias dito, e eu falarei; eu te perguntarei, e tu me ensinarás. 5 Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te vêem. 6 Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza. (Jó 42:1–6 ARA)

Agora notem algo importante: Deus fala a Jó, mas não responde qualquer dos questionamentos antes feitos.

Parte 5: Narrativa de epílogo, de 42:7 a 42:17.

Chegamos ao final de nossa história com a narrativa final:

7 Depois que o Senhor disse essas palavras a Jó, disse também a Elifaz, de Temã: “Estou indignado com você e com os seus dois amigos, pois vocês não falaram o que é certo a meu respeito, como fez meu servo Jó. 8 Vão agora até meu servo Jó, levem sete novilhos e sete carneiros, e com eles apresentem holocaustos em favor de vocês mesmos. Meu servo Jó orará por vocês; eu aceitarei a oração dele e não lhes farei o que vocês merecem pela loucura que cometeram. Vocês não falaram o que é certo a meu respeito, como fez meu servo Jó”. 9 Então Elifaz, de Temã, Bildade, de Suá, e Zofar, de Naamate, fizeram o que o Senhor lhes ordenara; e o Senhor aceitou a oração de Jó.
10 Depois que Jó orou por seus amigos, o Senhor o tornou novamente próspero e lhe deu em dobro tudo o que tinha antes. 11 Todos os seus irmãos e irmãs, e todos os que o haviam conhecido anteriormente vieram comer com ele em sua casa. Eles o consolaram e o confortaram por todas as tribulações que o Senhor tinha trazido sobre ele, e cada um lhe deu uma peça de prata e um anel de ouro.
12 O Senhor abençoou o final da vida de Jó mais do que o início. Ele teve catorze mil ovelhas, seis mil camelos, mil juntas de boi e mil jumentos. 13 Também teve ainda sete filhos e três filhas. 14 À primeira filha deu o nome de Jemima (pomba-rola), à segunda o de Quézia (flor de canela) e à terceira o de Quéren-Hapuque (lápis de pálpebra). 15 Em parte alguma daquela terra havia mulheres tão bonitas como as filhas de Jó, e seu pai lhes deu herança junto com os seus irmãos.
16 Depois disso Jó viveu cento e quarenta anos; viu seus filhos e os descendentes deles até a quarta geração. 17 E então morreu, em idade muito avançada. (Jó 42:7–17)

Assim terminamos nosso primeiro passo. Os dois seguintes serão breves.

PASSO 2: A PROFECIA MESSIÂNICA DE JÓ

Antes de irmos ao ponto desejado, convém fazermos uma brevíssima digressão.

Ao longo do livro, Jó vai de um de uma constatação desesperada da necessidade de um intercessor entre o homem e Deus até uma surpreendente certeza.

A constatação desesperada:

30 Mesmo que eu me lavasse com sabão e limpasse as minhas mãos com soda de lavadeira, 31 tu me atirarias num poço de lodo, para que até as minhas roupas me detestassem. 32 “Ele não é homem como eu, para que eu lhe responda e nos enfrentemos em juízo. 33 Se tão-somente houvesse alguém para servir de árbitro entre nós, para impor as mãos sobre nós dois, 34 alguém que afastasse de mim a vara de Deus, para que o seu terror não mais me assustasse! 35 Então eu falaria sem medo; mas não é esse o caso. (Jó 9:30–35)

Ao pressentir a morte, ele revela sua esperança:

19 Saibam que agora mesmo a minha testemunha está nos céus; nas alturas está o meu advogado. 20 O meu intercessor é meu amigo, quando diante de Deus correm lágrimas dos meus olhos; 21 ele defende a causa do homem perante Deus, como quem defende a causa de um amigo. (Jó 16:19–21)

Que explode, enfim, em uma confiança inabalável:

25 Eu sei que o meu Redentor vive, e que no fim se levantará sobre a terra. 26 E depois que o meu corpo estiver destruído e sem carne, verei a Deus. 27 Eu o verei com os meus próprios olhos; eu mesmo, e não outro! Como anseia no meu peito o coração! (Jó 19:25–27 NVI)

Ou, na mais bela tradução da ARA:

25 Porque eu sei que o meu Redentor vive e por fim se levantará sobre a terra. 26 Depois, revestido este meu corpo da minha pele, em minha carne verei a Deus. 27 Vê-lo-ei por mim mesmo, os meus olhos o verão, e não outros; de saudade me desfalece o coração dentro de mim. (Jó 19:25–27 ARA)

É interessante a inserção desta esperança messiânica, este, digamos, proto-Evangelho em meio ao discurso de Jó.

PASSO 3: OS ERROS DE JÓ E SEUS AMIGOS

Os amigos de Jó não falam tão errado sobre Deus. Mas erram. Erram em que? Em ver a justiça de Deus como uma barganha, uma teologia de retribuição.

E Jó? Jó alega inocência e o próprio Deus lhe atribui retidão. Não é algo moral, portanto. Mas Jó erra. Erra em que? Ele confia na sua justiça e quer apresentar sua defesa diante de Deus. Ele O julga. E quer ser tratado conforme sua própria justiça. Autojustificação, orgulho, autonomia e… Teologia de retribuição!

Tanto Jó quanto seus amigos estavam no mesmo erro: eles queriam medir a justiça divina de acordo com sua própria justiça. E queriam a retribuição divina conforme seus próprios padrões.

Notem bem um tema paralelo aqui: tanto Jó como seus amigos são a prova de que podemos dizer e pensar coisas acertadíssimas sobre Deus e mesmo assim estarmos distantes dele. Podemos conhecer de ouvir falar. Mas é necessário que nossos olhos O vejam!

Nós vimos, porém, que Jó se arrepende. Ele aprendeu que não há direito a retribuição. Deus faz conforme quer e nossa mais elevada justiça é trapo de imundícia. Jó não espera mais por retribuição.

Mas então, após a confissão de Jó, o que Deus faz? Retribui!

Será isso uma confirmação da teologia de retribuição de Jó e seus amigos? Será isso um aval divino à teologia da prosperidade que vemos proliferar em nosso tempo? De modo algum, ao contrário!

Bem, “retribuição” não é o termo mais apropriado para estas dádivas finais que Jó recebe.

Pois não foram dadas porque Jó merecesse. Não porque Jó exigisse. Não por sua justiça. E sim para mostrar que Ele o ama e dá a quem ama tanto o mal quanto o bem conforme Lhe apraz.

É para o bem de quem ama sim. Afinal, como sabemos, tudo o que nos sobrevêm, bem ou mal, concorre para o bem daqueles que que são chamados conforme Seu propósito (Rm 8:28).

Eis o ponto: “conforme Seu propósito”. Para o nosso bem sim, mas acima de tudo por Sua soberana vontade!

CONCLUSÃO

O que concluímos disso tudo?

Há diversos temas tratados no livro, mas o principal é a Soberania de Deus.

  • O livro usa o problema do mal e do sofrimento do justo, não para responder diretamente a essas questões, mas para afirmar a Soberania de Deus e a absoluta dependência do homem em relação a Ele.
  • Até mesmo a condenação da teologia da retribuição é usada para mostrar a Soberania de Deus sobre todo aspecto da criação. O bem e o mal servem unicamente a Seus propósitos, que são justos e bons.

Como eu disse na introdução, eu considero o livro de Jó fascinante:

  • Há no livro uma belíssima esperança profética no Messias.
  • Ele mostra que devemos nos arrepender de nosso desejo por autonomia.
  • Ele mostra que devemos confessar nossa absoluta dependência de Deus.
  • E, acima de tudo, o livro se constitui num hino à Soberania do Todo Poderoso!

TODA A GLÓRIA A DEUS!

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