A chave dourada & O Garoto do Dia e A Garota da Noite

George MacDonald

Roberto Vargas Jr.
4 min readFeb 17, 2021

Há muitos anos tentei ler Phantastes, de George MacDonald, e não consegui. A tradução que havia em português era péssima e a leitura inglês não avançava.

Esperava, pois, por todos estes longos anos uma nova e melhor tradução. O que, para minha alegria, aconteceu recentemente. Já adquiri meu exemplar e em breve hei de, finalmente, conhecer melhor este autor tão impactante para outros autores que muito aprecio, tais quais C. S. Lewis, G. K. Chesterton e J. R. R. Tolkien.

O que me surpreendeu, porém, foi perceber que já há outras obras traduzidas.

Apenas em versão física, há A princesa flutuante. Será uma próxima aquisição, em tempo e condições ($) oportunos. Em versão física e para kindle há A chave dourada e em versão apenas para kindle há O Garoto do Dia e A Garota da Noite: O Romance de Fotogênio e Nicterísia.

Estes dois últimos são contos de fadas. Livros bem curtinhos. Disponíveis no Unlimited. Li, pois, ambos.

A chave dourada é uma jornada de Musgoso (Mossy) e Trama (Tangle) pelo mundo das fadas em direção ao arco-íris. É uma fonte inesgotável de imagens, tais como a eternidade sem idade (quanto mais parecidos com o Eterno, menos importa a aparência no tempo) ou o olhar mais arguto de quem tem a chave (ao cristão é dado poder enxergar melhor a realidade pela “redenção de seus olhos”). Ou ainda, como sugere um comentário na Amazon:

- A chave de ouro abre a porta que leva ao Paraíso.
- A existência de um Deus amoroso.
- A morte como um rito de passagem para a vida espiritual, portanto, não é preciso temê-la.

É lamentável, porém, que a tradução seja tão ruim, com vários erros ortográficos e algumas passagens confusas. Ainda assim, sendo esta a tradução disponível e num valor razoável, vale a pena ter a edição física, acompanhada de uma outra — física ou eletrônica — no original.

Pois, como eu disse, é uma fonte inesgotável de imagens. É um livrinho para ler e reler!

Este outro é o Romance de Fotogênio (Photogen) e Nicterísia (Nycteris). Ele criado para conhecer apenas o dia, ela apenas a noite. Por isso mesmo ele teme a noite e ela o dia. Como todo conto de fadas, não se limita a uma interpretação, mas eu não pude deixar de lê-lo como um louvor da complementariedade.

É interessante, por exemplo, como, criada de forma mais limitada na escuridão, como numa prisão de ignorância, a garota é mais dada ao encanto, ao altruísmo e à verdade. Lembrou-me as minhas velhas carolas, que veem o que os sábios não podem ver. Entretanto, ela é ignorante, e precisa conhecer o sol que é a coragem do garoto.

O garoto, porém, precisa reconhecer que sua coragem não vem dele, mas do sol. Vindo a noite, ele teme e é envergonhado, mais do que pela sua covardia, pelo seu orgulho. Ele precisa conhecer a noite e são os lindos olhos azuis da garota que lhe ensinarão o caminho.

É outro livro, pois, com poderosas imagens. E é outra edição com os mesmos problemas de tradução. Dou cá dois exemplos, o segundo mais grave que o primeiro.

O primeiro, no original:

“But who knows,” Nycteris would say to Photogen, “that when we
go out, we shall not go into a day as much greater than your day as your day is greater than my night?”

Este trecho está traduzido assim:

“Mas quem sabe,” diria Nicterísia a Fotogênio, “se quando nós sairmos, nós não devemos entrar em um dia tão maior que o teu dia quanto o teu dia for maior que a minha noite?”

Eu sugiro algo mais ou menos assim:

“Quem sabe,” Nicterísia dizia a Fotogênio, “se quando nós partirmos, não haveremos de adentrar em um dia tão mais grandioso que o seu dia quanto o seu dia é mais grandioso que minha noite?”

É uma sugestão indouta, com um estilo todo pessoal, obviamente, mas, em lendo o livro, ao menos o “partir” contra o “sair” me é bastante significativo.

O segundo, no original:

But Photogen, yet wiser than Fargu, would not set out until he had married Nycteris; “for then,” he said, “the king himself can’t part us (…)”.

Na tradução:

Mas Fotogênio, ainda mais sábio que Fargu, não partiria antes de se casar com Nicterísia; “Por enquanto”, ele disse, “o próprio rei não pode nos separar (…)”.

“Por enquanto”!? Isso já é deprimente, para mim. Minha sugestão (que também vê relevância num “apresentar-se” contra um “partir”):

Mas Fotogênio, ainda mais sábio que Fargu, não se apresentaria até que se casasse com Nicterísia; “Pois então”, ele disse, “nem o próprio rei poderia nos separar (…)”.

Bem, eu não sou tradutor e sequer sou profundo conhecedor de ambas as línguas. Por isso repito o que digo alhures, que sou grato ao esforço de tradutores ainda que eles errem feio. Entretanto, eu sou um leitor. E como leitor eu expresso meu desejo por boas traduções.

Não desejo, porém, encerrar com o gosto amargo das traduções deficientes. Porque, a despeito delas, estou feliz em finalmente conhecer George MacDonald.

E mais feliz estou em que MacDonald não decepcionou a expectativa que Lewis, Chesterton e Tolkien me criaram dele.

Quanto mais traduções, pois, melhor!

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